Outros tempos

"O maior defeito dos livros novos é impedir a leitura dos antigos." (Joseph Joubert)

sexta-feira, 3 de agosto de 2012


QUEM PROCURA SEMPRE ALCANÇA
M.Iline e E. Ségal

Ilustrador João da Câmara Leme

2ª edição
Portugália
1966
Colecção os Pequenos Pioneiros

JOÃO DA CÂMARA LEME

"João da Câmara Leme (Beira, Moçambique, 1930-Lisboa, 1984) ilustrou alguns dos mais emblemáticos livros para a infância dos anos 60. O apurado instinto do ilustrador permitia grafismos bastante variados, desde a textura lenhosa dos Contos para Crianças, de Jaime Cortesão até às cores planas sem linha da Nau Catrineta, de Alice Gomes. Mas o registo mais interessante talvez seja o dos números 10 e 11 da Colecção Os pequenos Pioneiros da editora Portugália: A Menina e o Elefante, de Alexandre Kuprine; e A Bela e o Monstro, de Leprince de Beaumont, ambos de 1968. Obras de uma extrema delicadeza a que o traço de Câmara Leme emprestava uma terna melancolia, num regresso à linha que seria tendência marcante da ilustração editorial da década seguinte.
As ilustrações são compósitos de figuras planificadas sem recurso a perspetiva e contam a história como uma peça de teatro levada ao palco, onde narração e cenografia são asseguradas por elementos gráficos avulsos mas igualmente expressivos. O contraponto da curiosa mise-en-scène está no desenho laborioso das figuras, onde formas e volumes são trabalhados em bandas de traços paralelos e sentidos opostos. A mesma alternância verifica-se no uso de três a quatro cores directas para além do preto. Este aparente formalismo revela uma espantosa originalidade e liberdade formal e não tem paralelo noutros autores contemporâneos. A apoteose está no famoso Figuras Figuronas, da mesma coleção, datado de 1969. Aos atributos enunciados junta-se agora um contraste cromático mais vincado com a redução a duas cores e uma prodigiosa geometrização das figuras. "
SILVA, Jorge. Almanach Silva. (Consult. 4-08-2012). Disponível em: http://almanaquesilva.wordpress.com/2011/10/09/linhas-cruzadas/
O SENHOR SABE TUDO
EM LISBOA


SANTOS, Isaura Correia 1914-1998
Livraria Figueirinhas
Porto (196?)

COSTA, Laura (ilustradora)










LAURA COSTA

"Laura Costa (Vitória, Porto, 1910-Porto, 1992), uma das mais prolíficas ilustradoras de livros para crianças e de costumes tradicionais portugueses da década de quarenta.

 

Laura não retrata a fealdade dos vilões das histórias infantis. A mais cruel megera e o mais horrendo gnomo parecem tios feiotes mas simpáticos, criaturas apuradas por um paradoxal arianismo louro e azul que casava bem com o grotesco onirismo das fábulas. Laura evita a representação das odiosas cenas de sangue, fixando geralmente as personagens em trânsito ou em poses narcisistas que dispensam cenário, em trajos sumptuosos que naturalmente beneficiam do seu virtuoso traço. Se a ilustração, em geral, permite maltratar esteticamente a figuração masculina, temos em Laura Costa a excepção. Garbosos príncipes, rudes lenhadores e bondosos reis partilham o mesmo traço adocicado, efeminados até. O pouco que sabemos de Laura está em contradição aparente com a sua delicodoce obra. Senhora de refinada cultura, sem confissão religiosa, foi a primeira aluna das Belas Artes do Porto a participar voluntariamente nas aulas de desenho do nu masculino, quando na altura eram facultativas para o sexo feminino. Amava sobrinhos e primos como filhos, presenteando-os no Natal ou em aniversários com bonecas integralmente criadas e vestidas por si, e viveu toda a vida com dificuldades económicas num modesto apartamento da Rua do Almada, no Porto.

Laura Costa tem afinidades gráficas com a ilustradora Raquel Roque Gameiro, pelo primado do desenho, de traço constante e linear, pela ausência de profundidade e modelação de volumes. Mas o minimalismo nos enquadramentos e na paleta fisionómica afastam-na da ousadia cinematográfica da obra de Raquel. Centenas de ilustrações recheiam várias coleções da Editorial Infantil Majora, baseadas em adaptações de contos populares, como a Varinha Mágica, compilada por Fernando de Castro Pires de Lima, e a Série Prata e a Colecção Princesinha, organizadas por Maria Vitória Garcia Ferreira. E há mais contos infantis na Colecção Pinóquio, de 1946, compilada por Henrique Marques Júnior para a Livraria Latina Editora. Apreciamos hoje com algum cinismo a subtil sensualidade daqueles olhos semicerrados e orgulhosamente incomunicáveis com o leitor. A sua candura esconde segredos e crimes inconfessáveis que a literatura para crianças contemporânea já não pode tolerar."

SILVA, Jorge. Almanach Silva. (Consult. 4-08-2012). Disponível em: http://almanaquesilva.wordpress.com/2012/03/11/doces-decapitacoes/