Outros tempos

"O maior defeito dos livros novos é impedir a leitura dos antigos." (Joseph Joubert)

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O SENHOR SABE TUDO
EM LISBOA


SANTOS, Isaura Correia 1914-1998
Livraria Figueirinhas
Porto (196?)

COSTA, Laura (ilustradora)










LAURA COSTA

"Laura Costa (Vitória, Porto, 1910-Porto, 1992), uma das mais prolíficas ilustradoras de livros para crianças e de costumes tradicionais portugueses da década de quarenta.

 

Laura não retrata a fealdade dos vilões das histórias infantis. A mais cruel megera e o mais horrendo gnomo parecem tios feiotes mas simpáticos, criaturas apuradas por um paradoxal arianismo louro e azul que casava bem com o grotesco onirismo das fábulas. Laura evita a representação das odiosas cenas de sangue, fixando geralmente as personagens em trânsito ou em poses narcisistas que dispensam cenário, em trajos sumptuosos que naturalmente beneficiam do seu virtuoso traço. Se a ilustração, em geral, permite maltratar esteticamente a figuração masculina, temos em Laura Costa a excepção. Garbosos príncipes, rudes lenhadores e bondosos reis partilham o mesmo traço adocicado, efeminados até. O pouco que sabemos de Laura está em contradição aparente com a sua delicodoce obra. Senhora de refinada cultura, sem confissão religiosa, foi a primeira aluna das Belas Artes do Porto a participar voluntariamente nas aulas de desenho do nu masculino, quando na altura eram facultativas para o sexo feminino. Amava sobrinhos e primos como filhos, presenteando-os no Natal ou em aniversários com bonecas integralmente criadas e vestidas por si, e viveu toda a vida com dificuldades económicas num modesto apartamento da Rua do Almada, no Porto.

Laura Costa tem afinidades gráficas com a ilustradora Raquel Roque Gameiro, pelo primado do desenho, de traço constante e linear, pela ausência de profundidade e modelação de volumes. Mas o minimalismo nos enquadramentos e na paleta fisionómica afastam-na da ousadia cinematográfica da obra de Raquel. Centenas de ilustrações recheiam várias coleções da Editorial Infantil Majora, baseadas em adaptações de contos populares, como a Varinha Mágica, compilada por Fernando de Castro Pires de Lima, e a Série Prata e a Colecção Princesinha, organizadas por Maria Vitória Garcia Ferreira. E há mais contos infantis na Colecção Pinóquio, de 1946, compilada por Henrique Marques Júnior para a Livraria Latina Editora. Apreciamos hoje com algum cinismo a subtil sensualidade daqueles olhos semicerrados e orgulhosamente incomunicáveis com o leitor. A sua candura esconde segredos e crimes inconfessáveis que a literatura para crianças contemporânea já não pode tolerar."

SILVA, Jorge. Almanach Silva. (Consult. 4-08-2012). Disponível em: http://almanaquesilva.wordpress.com/2012/03/11/doces-decapitacoes/

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